2 de junho de 2007

Tomada de Decisão e o Treino ... de Jovens!


De uma forma geral, os Jogos Desportivos com bola - aos quais o Hóquei em Patins pertence, são jogos complexos. A sua complexidade advém do facto de serem marcados essencialmente por uma grande dinâmica nas suas acções; pela incerteza no desenrolar das próprias acções e pelo elevado número de acções que ocorrem de forma constante. Como tal, são jogos marcados, extraordinariamente, pelas decisões tomadas o que implica um poder de análise e previsão bem apurado por parte dos atletas.

As grandes tarefas que uma determinada equipa, e respectivos jogadores, tem de fazer em campo resumem-se a tomadas de decisão, e todas as tarefas ou comportamentos realizados são marcados pelas mesmas. Passo a bola ou entro em condução? Remato ou tento o passe? São somente dois exemplos simples das constantes decisões que têm de ser tomadas, mediante a interpretação feita ao jogo no momento.

Dadas as características de dinamismo das acções nestes jogos com bola, a performance é determinada pela qualidade da execução motora, da performance física da equipa, mas, e essencialmente, pela qualidade das decisões dos atletas. Quando me refiro aos atletas, não pretendo, de forma alguma, cingir-me ao portador da bola, mas sim a todos os intervenientes. A olhares pouco atentos e a olhos com pouca visão periférica, o portador da bola é aquele que “paga mais caro a factura do erro”, ainda que nem sempre o seja. Este é o grande responsável pelo erro cometido. É assim que o vêem estes “olhos”. Mas muitas das vezes, o erro surge como a única solução que a sua equipa lhe permite fazer.



Se estivermos atentos ao jogo dos mais pequenos, podemos constatar que as grandes dificuldades entroncam não na realização dos gestos (tirando alguns casos e alguns gestos, como é normalíssimo no processo de crescimento) mas sim na escolha pela opção mais correcta. Mas porquê?

Há uma panóplia de factores que levam a esta situação, desde a amizade e admiração por determinado jogador, passando pelo reconhecimento da competência adquirida de determinado atleta, bem como pela sua capacidade de “resolver” situações. Muitas das vezes, estas percepções levam a que as opções dos jogadores não sejam as mais eficazes para determinadas situações do jogo. Na verdade, em determinadas situações, estes jogadores encontram-se em posições menos vantajosas que outros colegas e, mesmo assim, as acções são realizadas tendo como fim último este determinado atleta.

O que fazer?
Antes de tudo, evitar ou atenuar as situações descritas anteriormente, fazendo ver a importância que todos os atletas têm quando estão em jogo.

Em seguida, temos de perceber que se queremos ter atletas com capacidade de decidir, teremos de lhes dar, por um lado, autonomia e, por outro, confiança. O atleta terá de ser capaz de sentir, de entender e de realizar as várias acções em função das “emoções” e “informações” que retira do jogo. Por outro lado, o atleta terá que ter confiança em si mesmo e acreditar nas opções que toma e nos gestos que realiza. Sem autonomia e confiança, jamais um atleta poderá tomar decisões, por mais simples que estas sejam. A autonomia e a confiança trabalham-se em todos treinos e todos os jogos, da mesma forma como se trabalham os vários gestos técnicos-tácticos.

É também fundamental trabalhar no atleta a noção de responsabilidade na acção. O atleta terá que ter a noção que as acções que realiza são da sua responsabilidade. Terá que ter a capacidade de assumir os seus erros e evitar encontrar desculpas em factores extra para explicar as suas falhas.

Por fim, torna-se indispensável dotar o atleta de capacidade de superação de situações menos facilitadoras. Um atleta que se deixe abater de forma constante com as suas falhas, jamais evoluirá. E se queremos atletas capazes de tomar grandes decisões temos de lhes incutir o gosto pelo desafio, pela superação, e, nestes casos, desdramatizar o erro de forma a incentivar a tentativa.
Notas para o treino:
Geralmente os planos de treino são organizados em torno do aperfeiçoamento de certas destrezas/habilidades, da correcção de situações/movimentações jogadas ou no desenvolvimento de determinadas capacidades motoras. Contudo, estes são limitadores, torna-se necessário que neste conjunto de intenções, as questões relacionadas com a compreensão e “leitura do jogo” estejam também elas presentes.

O treino mecanizado das diferentes técnicas, através de situações analíticas e simplificadas são, a meu ver, as responsáveis pelo desenvolvimento incompleto dos jovens atletas, uma vez que as aprendizagens mecanizadas poderão ser limitadoras da performance em jogo.

É um dado adquirido que quanto maior a habilidade de um atleta numa determinada tarefa, maior será a possibilidade deste atingir sucesso na tarefa em causa. Assim, se o nosso propósito é que o atleta tenha sucesso no jogo, devemos centrar as nossas atenções no jogo, ensinando o “jogar” e o “fazer” através do jogo.

PS:

Muitos dos erros que são cometidos nos jogos, devem-se à falta de conhecimento acerca do que fazer em determinado contexto de jogo, ou se quisermos, situação de jogo, e nem tanto à deficiente execução técnica.


3 comentários:

Anónimo disse...

As decisões que os atletas tomam durante os jogos dividem-se, quanto a mim, em instintivas e mecanizadas.
Se as instintivas (criativas) oferecem mais opções, efeitos surpresa, etc., elas são também as mais difíceis de trabalhar porque resultam como disseste da amizade, da admiração/confiança/estatuto*, mas também das experiências de toda a carreira. As emoções, estando mais próximas dos instintos, direccionam os jogadores para a criatividade.
* como na selecção do Brasil onde todos têm, ou sentem-se na obrigação, de passar a bola aos craques
Já as mecanizadas (tácticas), cuja interpretação e aplicação por parte do jogador não deixa de ser instintiva, incorporam acções planeadas que lhe podem conferir mais objectividade, acções concertadas por parte de toda a equipa, equilíbrio na ocupação do campo, etc.

A esperança é que as “manias” e mecanismos mais recentes são os que servem predominantemente como referências. Com a orientação e controlo rigoroso de como elas evoluem conseguem-se elevar os índices de eficácia. Quando são esquecidos sem serem substituídos, os atletas ficam com a base mais essencial da sua experiência.
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Ensinar através do jogo poderá ser um acto pedagógico reactivo e, como tal, dificilmente planeável mas mais facilmente aplicável à medida da progressão do jogador. O treino proactivo tem um planeamento mais linear mas exige mais trabalho/tempo (quase sempre escasso), conhecimentos e competências aos treinadores.
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Se os treinadores não conseguem entender os motivos de algumas falhas tendo as aptidões que têm, os atletas terão ainda mais dificuldades em interpretar ou exprimir os seus motivos e, por desviarem as responsabilidades, não quererá sempre dizer que não tenham razões. Até porque os dois elementos – falha do atleta com bola ou do resto da equipa – podem estar presentes na mesma jogada, desorientando o atleta na exposição do insucesso. Mesmo assim, quando lhe é imputada a responsabilidade quando não a tenha, e se tiver fortes humildade e personalidade, pode assumi-la apenas a bem da disciplina e da harmonia no grupo.

Anónimo disse...

Gostaria neste âmbito orientar a conversa para saber a vossa opinião para um assunto que está directa e indirectamente ligado com as tomadas de decisão e é assunto que tenho reflectido ultimamente e que tem vindo a preocupar-me que é a temática da valorização excessiva e a preocupação dos treinadores criarem formas de jogar muito rectilíneas, muito mecanizadas (na maioria das vezes defensivas em demasia) não dando liberdade aos jogadores nas suas tomadas de decisão. Assim cada vez mais vamos vendo o nosso hóquei a ficar sem “tecnicistas”, características que estavam bem presentes à uns anos atrás e que nos encantavam tanto… Os modelos importados embora tendo êxito, não nos poderão fazer descaracterizar o nosso tipo de jogo nem erradamente fazer os treinadores, não deixarem os jogadores expressarem a sua técnica, e mais importante o seu “estilo”, que mais não é que a interpretação individual da execução de um gesto motor e que progressivamente fará os atletas terem mais capacidade na tomada de decisões em diferentes momentos de jogo e empolgarem adeptos e público.
Todos devemos reflectir neste aspecto e começar a valorizá-lo nas aprendizagens, penso que os treinos proactivos através das situações jogadas com menos peso de planeamento mas com maior trabalho de orientação, direcção e motivação será o indicado, penso que se deve indicar e reforçar a ideia de estar com a bola de trabalhar com o stick, a baliza numa primeira fase não ser o mais importante…
O tempo é o melhor amigo dos bons jogadores e nós precisamos ter consciência disso não é o mais importante ganhar cedo, mas sim fazer com que os jogadores evoluam de acordo com as características do nosso hóquei as suas próprias características físicas e motoras e a sua idade e sexo.
Quanto à situação da compreensão por parte dos treinadores das tomadas de decisão erradas dos jogadores e mesmo as acertadas, há que saber conviver com ambas, concordo em pleno com o que foi dito pelo gnoronha no post anterior, também teremos que fazer os atletas conviverem de forma sã com as situações individuais e colectivas de erro e acerto técnico e táctico nos locais próprios, o ceio da equipa.

Francisco Mendes disse...

Guilherme e Chinita,
Concordo, em grande parte, com os vossos pontos de vista.
O motivo que me levou a escrever sobre esta temática, prende-se com o facto de assistir, em muitos casos, a situações de treino de camadas jovens (tipo iniciados) onde o predominio das "importancias" dos treinadores se situam ao nível da realização tecnica do gesto de uma forma mecanizada,como se houvesse uma tecnica unica, ou então a mesma fosse, em situação de jogo, realizada no "ambiente" de treino: simples, jogadores parados frente a frente a passar a bola. Não deveria ser o contrário: treinar o passe em jogo, com todas as suas envolvencias, e quando falo em jogo, não me refiro ao jogo competição, mas sim, a todas as formas de jogo, desde o ludico, ao orientado, passando pelo reduzido. Por outro lado, assiste-se a uma "exigência" táctica que não permite o "pensar" do jogo, mas sim e só a realização das movimentações que são pedidas. A titulo de curiosidade, por vezes, nestes escalões, vejo situações de bolas paradas, que tenho dúvidas que equipas da 3 divisão conseguissem obter sucesso com as mesmas.
Não quero com isto dizer que não deva ser trabalhado este aspecto de corrdenação entre jogadores. Deve, sim, claro. Contudo há mais, muitos mais aspectos a ter em conta.Isto, na formação.
Espero ter-me feito entender.

No que toca a equipas de adultos, a situação poderá ser outra.Muitas das vezes (quase sempre) temos um plantel que nos é imposto, logo teremos de tirar o máximo partido do mesmo. Se não temos os chamados "desiquilibradores" temos de encontar na organização inter-jogadores um equilibrio que nos possa conduzir ao sucesso. E esse equibrio passa por construir uma coesão e uma oraganização baseada em principios, que muitas das vezes, passam a imagem de equipas defensivas.
Contudo, penso que qualquer treinador quando controi o modelo que pretende para a sua equipa, tem em conta as caracterisiticas dos seus jogadores, e muitos deles, dado a sistematização a que foram sujeitos, não têm formas de "deixar" os seus hábitos e "fazerem" ou "verem" outras formas. E, convenhamos, quando assim é, o papel do treinador não poderá ser outro que não seja aproveitar ao máximo essas caracteristicas.
Abraço.