5 de abril de 2006

Para Reflectir - parte 1

Caros leitores:
Desde o primeiro momento que abri este "espaço virtual" que tenho a tentação de partilhar um documento que, desde a primeira vez que o li, nunca mais o esqueci. O texto em causa chama-se “Uma carta para o meu primeiro treinador”, foi escrito por um jovem atleta para um seu ex-treinador e encontra-se publicado na obra: “Treino de jovens o que todos precisam saber!” in: Adelino, J.; Vieria, J.; Coelho, B. CEFD (1999) Página 45.

Ainda que sobre uma outra realidade e modalidade, bem como outra mentalidade de treino, a mesma, passados estes anos, ainda retrata alguns pormenores actuais - infelizmente.
Dada a extensão do documento, o mesmo irá ser repartido por várias "postagens" e desta forma manterei os leitores mais fieis e atentos ao mesmo. Começa assim:

Caro treinador:

Certamente que já não se lembra de mim. Passaram apenas alguns anos. Eu era um daqueles que todas as épocas andavam à sua volta para tentar entrar na equipa, sem ter a menor ideia de como se joga. Pense bem e veja se consegue recordar-se: eu era aquele rapaz alto e magricela, um pouco mais fraco do que os restantes.
Ainda não se lembra de mim? Pois olhe que eu recordo-me perfeitamente de si! Eu tinha medo quando o ouvia a bater palmas e gritar: “força”, “depressa”. Lembro-me de como costumava rir-se de mim e dos outros como eu, quando falhava uma placagem ou me ultrapassavam no um contra um.
O senhor nunca me convocou para um jogo. Apenas às vezes, quando estava a conversar com os melhores da equipa à volta do quadro para ensinar a táctica, eu tinha uma oportunidade de jogar um pouco com os outros tão fracos como eu.
No entanto, vou-lhe revelar um segredo: apesar de tudo isso, eu tinha uma grande admiração pelo senhor. Aliás, todos tínhamos.
Mas agora que sou um pouco mais velho e tenho os meus olhos mais abertos, queria também dizer-lhe que o senhor estragou tudo! Desde esse ano nunca mais quis jogar futebol. O senhor conseguiu convencer-me que eu não era capaz nem era suficientemente “forte” para jogar.
(continua)

2 comentários:

Anónimo disse...

bem, e caso para dizer que os treinadores/formadores tem que estar atentos ao que as suas atitudes e formas de encarar a formaçao desportiva podem ou nao fazer no desenvolvimento dos miudos e naquilo que eles vao guardar nas suas memorias dos seus mentores.. seria bom nao so eles ficarem contentes como tambem a consciencia dos formadores, treinadores e professores tenha a noçao que nao e bom.. o aparecimento deste genero de cartas ou sentimentos por parte dos formandos.. dai a minha duvida saber como se podem fazer a triagem dos miudos notoriamente mais "fadados" para certos desportos e conseguir envolver todos eles na pratica desportiva sem uns anos mais tarde algum deles "nos enviar" uma carta destas???
ass Mario

Francisco Mendes disse...

Caro mário...
A meu ver a grande parte dos treinadores/monitores e professores têm a noção do tipo de influência que exercem nos jovens que treinam, mas tb é sabido que sobre estes agentes, em certos casos, são depositadas grandes exigencias vindas de várias partes e por vezes, nestas circunstãncias, têm de "ceder", o que pode levar a casos deste tipo. Por outro lado, e neste caso, se não fosse a existência deste documento, a situação deste ex-atleta não era sequer conhecida, como se passa actualmente com várias dezenas de miudos, aos quais não "é dado tempo" para evoluirem na modalidade. Também não é menos verdade, que alguns treinadores de Jovens procuram somente um objectivo: a Vitória e como tal, recusam-se a ter no seu "lote" de Jovens Atletas alguns que não apresentam caracterisiticas que os evidenciem dos restantes. Tudo isto é uma questão de Saber Estar no Treino de Jovens. Quanto à triagem que fala, eu concordo com ela. Uma outra função do treinador, enquanto agente desportivo, é a Orientação, ou seja o encaminhamento de jovens para outras actividades, nem que seja para a concorrência lá na Terrinha, consoante as capacidades que o jovem vá demonstrando. Isto, em paises com uma politica desportiva orientada em que haja na pratica a noção de orientação desportiva aconteçe e dá frutos (atletas de elite) como vamos descobrindo ao ver o passado de alguns dos atletas de Top Mundial. E se assim for, metade do caminho ja está percorrido para não nos ser enviada uma carta como esta.
Abraço.